Lago Sul, o bairro mais luxuoso da capital, abriga residências que se tornaram uma extensão dos escritórios de empresas. Espaços são escolhidos a dedo para receber políticos com discrição.
Os jardins da entrada, as piscinas da parte interna e a ausência de placas na fachada disfarçam o perfil comercial de dezenas de casas usadas para funcionar como entreposto político de empresas de grande porte no Lago Sul. O bairro mais luxuoso de Brasília foi escolhido pelas firmas com maior peso no Produto Interno Bruto (PIB) para abrigar verdadeiros quartéis generais destinados a desempenhar uma das missões mais estratégicas para as empresas: o lobby com o governo.
No quadro hierárquico das empresas, as casas de representação são chamadas de departamentos de assuntos governamentais. Na prática, as residências do Lago Sul funcionam como um oásis de conforto e discrição para que representantes de empresas e autoridades do Executivo e Legislativo discutam assuntos de interesse comum.
Na última semana, o Correio identificou quatro casas de representação de grandes empresas e associações setoriais. Constatou que, no lugar da formalidade dos escritórios, o modus operandi das conversas reservadas entre o setor privado e o setor público requer luxo na decoração das salas, com um toque quase doméstico para garantir uma atmosfera mais descontraída, suporte para a organização de grandes jantares e festas e, acima de tudo, o anonimato de quem entra e sai do imóvel.
Em uma "ponta de picolé" — quando o terreno fica no fim do conjunto com uma metragem maior — da QL 14 do Lago Sul, um imóvel com acabamento inferior às demais residências da quadra praticamente passa despercebido. O portão automático, já velho, demora destravar, mas quando funciona abre a visão para uma ampla garagem e uma bela vista do lago. Os logotipos da Coca-Cola confirmam: a casa é a representação da multinacional em Brasília.
O vice-presidente de Assuntos Governamentais da Coca-Cola, Jack Corrêa, abre as portas da casa e conta sua rotina. "Empresa grande não faz nada de errado." Ele lembra que quando trocou a Fiat, que também tinha sua representação no Lago Sul, pela Coca-Cola convenceu a multinacional da importância de ter um espaço reservado para receber autoridades.
Um dos argumentos era o de que a capital não tinha um centro urbano com grandes edifícios, com estrutura suficiente para abrigar o estilo de cerimonial oferecido nas casas. O segundo argumento encerrava a questão: as autoridades não freqüentariam espaços institucionais, para evitar problemas com as regras de ética pública. "A coisa mais importante não é ter um espaço diferenciado, é ter discrição. Não é possível colocar um ministro para jantar na sede de uma empresa. Quando é assim, o ministro recusa, apesar de não estar fazendo nada errado", afirma Jack Corrêa.
Doações
E o entra e sai silencioso das casas de representação envolve também prefeitos, parlamentares e, até mesmo, ex-parlamentares. Durante o tempo em que o Correio esteve na casa, um suplente de senador, atualmente afastado do exercício do cargo, aguardava audiência com o vice-presidente da Coca-Cola, para discutir a possibilidade de conseguir doação para as eleições municipais.
Entre os pleitos que recebe das autoridades, Corrêa lista pressão de um prefeito de São Paulo, para que a empresa anuncie, antes do fim das eleições, a inauguração de fábrica de embalagens com matéria-prima vegetal, para que o administrador colha bônus políticos do empreendimento privado.
E se os representantes públicos usam o espaço para pleitear seus interesses, a empresa também tem os dela. Jack Corrêa conta que, atualmente no Congresso, a multinacional monitora 850 projetos que afetam direta ou indiretamente os negócios da empresa no país. Uma emenda em um projeto já é motivo para que a equipe de representantes de assuntos governamentais procure o parlamentar autor da alteração. Entre os temas de interesse estão os projetos que tratam de regras para a fabricação de embalagens, discussão da relação entre obesidade e produtos industrializados, propaganda infantil, venda de refrigerante nas escolas, temas trabalhistas, tributários e a política de resíduos sólidos.
Para monitorar os projetos, a empresa conta com equipe especializada no Congresso. No Executivo e Judiciário, outras duas equipes têm a missão de fazer corpo a corpo para pressionar as autoridades em nome dos interesses corporativos.
As festas e palestras realizadas na casa, que tem seu próprio auditório, têm o objetivo de integrar autoridades, representantes do governo e da empresa com a equipe de lobistas que atua diretamente nos Três Poderes. Para organizar as confraternizações na casa do Lago Sul, a firma conta com estrutura própria de cerimonial e contrata shows de grandes artistas.
Fonte: Correio Braziliense
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